Licença para barragens que caíram em MG foi dada sem aval da Promotoria

A tarde do dia 5 de novembro de 2015 corria tranquila na pacata comunidade de Bento Rodrigues, com cerca de 600 habitantes, onde os moradores se cumprimentavam e se conheciam pelo nome. As donas de casa cuidavam de seus afazeres domésticos, os homens trabalhavam, alguns na mineradora e crianças estudavam na escola local. Por volta das 16h30min alguns celulares começaram a tocar e avisar que a barragem de rejeitos da empresa Samarco (Vale-BHP), e não São Marcos como se referiu a presidente, havia se rompido.

A princípio todos foram tomados pelo espanto querendo acreditar que aquilo não era verdade. Momentos depois, heróis anônimos montados em suas motos, movido pelo mais nobre dos sentimentos humanos – a solidariedade -, gritavam desesperadamente que a barragem tinha se rompido e que um mar de lama estava descendo em direção à comunidade. As pessoas ainda incrédulas, e ao mesmo tempo movidas pelo pânico, se deram conta de que teriam que se retirar rapidamente das suas moradias, salvar as pessoas queridas e deixar para trás tudo aquilo que foi construído ao longo de uma vida. Nem todos tiveram este tempo, a possibilidade de escapar e foram soterrados pelo mar de lama. Contam-se para mais de duas dezenas os mortos e desaparecidos, alguns que certamente nunca serão encontrados.

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A onda de lama “tsulama” que se seguiu, com até 15 metros de altura, atingiu em cheio o então límpido córrego Gualaxo do Sul, rasgando, devastando, destruindo áreas de pequenos agricultores, matas ciliares, vegetação nativa, nascentes e matando todas as espécies de animais que encontrou pela frente, domésticos e silvestres. A destruição chegou ao Ribeirão do Carmo, atingindo as comunidades de Paracutu de Baixo e Barra Longa, e finalmente ao leito do Rio Doce, já bastante comprometido por uma longa história de degradação e escassez hídrica.

A “tsulama” em nenhum momento perdeu a intensidade. Esta lama densa foi demonstrando uma forte capacidade de destruição provocando a morte de toneladas de peixes. As alterações físico-químicas da qualidade da água impediram o uso para o abastecimento humano nas cidades ribeirinhas do Estado de Minas Gerais e Espírito Santo, que ficaram desabastecidas e viveram uma situação de caos e calamidade pública.

Após 10 dias a “tsulama” percorreu cerca de 550 quilômetros e desaguou no Oceano Atlântico, formando uma mancha avermelhada que se espalhou por cerca de 20 quilômetros mar adentro e 40 quilômetros rumo ao norte.

Plano de emergência

Diante desta grave situação, o que se viu foi um total despreparo do estado para atuar num evento desta magnitude, que inclusive, a princípio foi minimizado. A situação deveria ter sido tratada como um ‘estado de guerra’ e criado imediatamente um gabinete de crise, integrando todos os níveis: governo municipal, estadual, federal, ministério público e até mesmo a sociedade.

Acuado e sem saber como explicar um evento desta magnitude, o governo se viu numa situação caótica. Criou um comando operacional dentro do espaço físico da empresa e, passou ali, a conceder coletivas para imprensa, demonstrando insensibilidade política diante da gravidade dos fatos ocorridos. Não foram tomadas as medidas emergenciais preventivas já sabendo que as cidades atingidas entrariam em colapso de abastecimento. Transferiu-se para a empresa a gestão da crise, inclusive de questões como o do abastecimento público de água nas cidades ribeirinhas.

Na sequência dos fatos históricos faltou por vezes transparência nas informações tais como os danos socioambientais sofridos, as buscas aos desaparecidos, a qualidade das águas do Rio Doce, a presença de contaminantes tóxicos e as medidas que estavam sendo tomadas pelo governo.

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(Ir)responsabilidade

A SAMARCO na verdade é uma joint venture (associação) entre as duas maiores empresas mineradoras do mundo que são a Vale e a BHP Billiton.

Em nenhum momento a empresa veio a público se responsabilizar pelos fatos ocorridos. Ela é certamente, como afirmam o Ministério Público e ambientalistas, diretamente responsável pelas mortes, tanto de operários quanto de moradores da região; bem como, pelos danos ambientais ao longo da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. O rompimento provocou a liberação de cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos, por isso, não podemos considerar este fato como uma fatalidade, mas uma tragédia anunciada. Ao construir grandes barragens, com alteamentos sucessivos dentro dos limites máximos permitidos, a empresa, assumiu um risco cada vez maior.

Em 2014, a mineração não vivia seu melhor momento do ponto de vista econômico quando o preço do minério passou US$190 para cerca de US$ 50 a tonelada. Para compensar a queda de preço, a opção foi aumentar a produção em cerca de 9,5 milhões de toneladas atingindo o total anual de 25 milhões, mesmo sabendo que isso significaria mais rejeitos (21,9 milhões de toneladas) e menos segurança. E em 2014 a empresa faturou R$ 7 bilhões e teve um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões.

Para manter o atual modelo de mineração as barragens de rejeitos foram a opção escolhida. No caso SAMARCO não foi diferente e para operar estas barragens é necessário a obtenção da licença ambiental. Em 2013, o COPAM avaliou a revalidação da licença ambiental da barragem de Fundão e no Parecer Único Nº 257/2013 da SUPRAM, por solicitação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, o Instituto Prístino apresentou o Laudo Técnico alertando que: “Outro ponto a ser destacado é que a barragem do Fundão e a pilha de estéril União da Mina de Fábrica Nova da Vale (LP+LI) fazem limite entre si, caracterizando sobreposição de áreas de influência direta, com sinergia de impactos (…). Notam-se áreas de contato entre a pilha e a barragem. Esta situação é inadequada para o contexto de ambas estruturas, devido a possibilidade de desestabilização do maciço da pilha e da potencialização de processos erosivos. Embora todos os programas atuem na prevenção dos riscos, o contato entre elas não é recomendado pela sua própria natureza física. A pilha de estéril requer baixa umidade e boa drenagem; a barragem de rejeitos tem alta umidade, pois é reservatório de água”.

Apesar da grave situação o processo foi aprovado pela SUPRAM, com exceção do voto do Ministério Público e o representante de uma ONG. Ao final foram aprovados condicionantes entre eles: Recomenda-se a apresentação de um plano de contingência em caso de riscos ou acidentes (…) dada à presença de população na comunidade de Bento Rodrigues, distrito do município de Mariana-MG.

Na hora do desastre descobriu-se que não havia nenhum plano de contingência a ser acionado, nem sequer um alarme. E a perda de vidas só não foi maior devido à ação heróica e solidária de pessoas residentes no local.

Para que se estabeleça a verdade histórica é preciso reafirmar que vítimas foram todos aqueles morreram – moradores e trabalhadores -, que perderam seus patrimônios, que sofreram as consequências dos danos ambientais. Este desastre mostrou a insustentabilidade da gestão ambiental demonstrando as falhas no processo de gestão, licenciamento, fiscalização, monitoramento e sistema de emergência. Todos estes processos foram incapazes de garantir a segurança do empreendimento, prevenir e evitar que não houvesse um evento desta magnitude.

Descobrimos depois da porta arrombada que Minas têm 754 barramentos, que 42 deles não tem atestado de segurança e que o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) tem somente quatro técnicos para fiscalizar. Ou seja, respondem solidariamente por este desastre as empresas, governo Federal, governo Estadual e órgãos de licenciamentos.

Das causas

É impossível estabelecer ou buscar uma causa única para esta tragédia. Um acidente desta proporção somente foi possível pela somatória de uma cadeia de eventos e fatores, que precisam ser esclarecidos. Além de respostas a todos os que sofreram diretamente as perdas de vidas humanas e ambientais é fundamental que a partir da investigação, um dos principais resultados seja a criação de novas diretrizes sobre as atividades minerárias.

Esta não é situação isolada, mas um capítulo que se repete na história da mineração ao longo dos últimos 14 anos, pois foi assim com a Mineração Rio Verde, em Nova Lima (2001), a Mineração Rio Pomba Cataguases, em Miraí (2007) e a Mineração Herculano, em Itabirito (2014).

Danos irreversíveis e ações mitigadoras

Pode-se afirmar que grande parte dos danos serão irreparáveis e permanentes, como as perdas de vidas humanas, dos ecossistemas e da história de vida das comunidades atingidas. Um evento como o que ocorreu em Mariana alerta para as consequências ambientais e humanas que podem ser geradas por uma gestão ambiental descomprometida com a vida e com os ecossistemas. Por isso, é possível afirmar que o acidente será sempre uma lembrança viva do que Minas Gerais não quer mais ver acontecer. Uma cicatriz eterna na história ambiental do Estado e um alerta constante de que temos que ter uma gestão ambiental verdadeiramente comprometida com a vida e o ambiente.

Até o fechamento desta edição tinham sido mencionados os seguintes valores de multas e reparação por danos socioambientais. Cerca de R$ 250 milhões pelo IBAMA, do qual a empresa pode recorrer, esclarecendo que apenas 3% das multas aplicadas são efetivamente recolhidas. E que caso recebido o dinheiro irá para o caixa do Tesouro Nacional. O Ministério Público propôs um acordo preliminar de reparo dos danos em R$ 1 bilhão. Valores irrisórios diante dos danos ocorridos e dos lucros obtidos pela empresa, que no ano passado faturou cerca de R$ 7 bilhões e teve um lucro líquido de R$ 3 bilhões.

O Governo Federal propôs uma ação judicial contra a empresa para recuperar os danos ambientais de R$ 20 bilhões ao longo de um prazo. Lembrando que se trata de uma proposta de ação jurídica ainda ser julgada.

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